Hoje, eu estava ouvindo o Programa Manhã Cultura, na Rádio Cultura FM, quando em um
determinado momento o entrevistado do dia por Gioconda Bordon falou que Mozart, por exemplo, teria composto suas peças mais
luminosas quando em sua vida pessoal ele passava por experiências dolorosas.
Isso me fez pensar em quão interessantes são esses artistas
que, no momento mais tortuoso da vida pessoal, conseguem especialmente desenvolver
peças luminosas, transcendentes.
Provavelmente isso represente uma sabedoria que implica no
desenvolvimento da capacidade de elaboração dos diferentes veios emotivos da
subjetividade.
Afinal, a vida suscita a cada momento uma emoção particular
e que, evidentemente, vem acompanhada da expressão que lhe é peculiar. Mas escrever
ou compor qualquer coisa é também deixar um legado: qual será a expressividade
desse legado, que emoção essencial ele irá conter? Talvez o artista se faça
esse questionamento, mesmo que inconscientemente.
De qualquer modo, penso que não é preciso ser alguém do
perfil daquele que deixa um legado para a Humanidade (caso de um Mozart) para
também elaborar a expressividade da emoção que se queira passar na conjunção,
por exemplo, das relações cotidianas.
A escolha pela luminosidade – e, sim, não se espera que ela possa
ocorrer full time – talvez seja o
momento mais especial das experiências cotidianas. Porque tal escolha cria a
abertura, no centro da vida comum, de uma espécie de portal para uma dimensão
espiritual absolutamente desconhecida, sobretudo quando estamos mergulhados no afã
das fatigantes querelas do dia a dia.
Terminei agora mesmo de ler um livro que muito me ensinou.
Trata-se de uma biografia. Amo tais livros que contam a vida de
alguém que mereceu ter sua vida contada. Essa biografia tem um apelo
especial porque se trata da vida de um santo. Estou falando de Francisco de Assis, o santo relutante,
de Donald Spoto. O teólogo renomado escreveu o livro para demonstrar que toda a
vida de Francisco foi de vivência e de elaboração de um processo de conversão, ou seja, essa última não se deu da noite para o dia e daí o “relutante” do título.
O mais importante é que ele utilizou fontes e arquivos inexplorados
de Roma, Assis, Greccio e Florença e, inclusive, os únicos escritos de próprio
punho de São Francisco e que sobreviveram até os nossos dias.
Eu comecei a ler tal livro, porque o encontrei por um acaso na
livraria e justamente quando eu tinha acabado de assistir ao filme Irmão Sol e Irmã Lua (Fratello Sole, Sorella Luna), de Franco
Zeffirelli. Um amigo emprestara-me o DVD dizendo que eu devia assistir ao famoso filme, porque ele
sabia que eu iria gostar, que era a minha cara. Vejam só! kkkk
O interessante é que, após ler o livro, percebemos que o
filme foi bastante fiel a essa história ou ao menos às passagens mais famosas da vida de São Francisco:
sua vida libertina na juventude; a participação nas cruzadas; o episódio do abandono da família e do abraço absoluto com a pobreza, quando, então, fica nu na
frente do bispo, na praça do vilarejo; o início exemplar da reconstrução da pobre capela
onde se deu a sua primeira epifania; a relação de amizade com Santa Clara, bem como toda a vida de abnegação e
caridade com os pobres, leprosos e ainda, evidentemente, com os animais.
No entanto, minha decisão em ler o livro ocorreu, sobretudo, depois de eu ter lido esse
trecho de sua Introdução, onde o autor nos diz que:
Francisco nasceu em 1182 e morreu em 1226, aos 44 anos. Hoje
em dia, acharíamos que desapareceu no apogeu; naquela época, era considerado
afortunado por ter vivido tanto tempo. Dois anos após sua morte, foi proclamado
santo. A canonização por decreto pode ser uma forma astuciosa de apropriar-se
de pessoas notáveis, domesticá-las e isolá-las, transformando-as em propriedade
do catolicismo oficial. Francisco, porém, continua a ser de certa forma
maravilhosamente embaraçoso para a Igreja e para o mundo. Sua vida e seu
exemplo – e não, devo frisar, qualquer coisa que especificamente ele tenha dito
ou escrito – possuem uma integridade que desafia nossos preconceitos sobre o
que constitui uma vida de virtude, sem falar de uma forma respeitável de
encarar a religião.
Agora, que terminei a leitura, vejo que o exemplar está todo
riscado. ;-)
É que gosto de marcar as passagens que me tocam profundamente, como, por exemplo, mais essa outra:
Será nossa obsessão contemporânea com a perfeição física
menos patológica do que o comportamento do asceta? Novecentos anos depois de
Francisco, as pessoas desejam estar satisfeitas consigo mesmas – anseio fadado à
decepção, ou pelo menos somente a uma satisfação temporária. Mas, numa época de fé,
a negação do físico tinha o objetivo de tonificar o espírito, e não o corpo, de
modo que, libertado da indolência e da dependência no prazer da boa comida e
bebida, o espírito ficasse preparado e disposto, não a um novo guarda-roupa ou
a um romance ideal, e sim ao esclarecimento íntimo, um prelúdio à oração. Nesse
ponto, todas as religiões do mundo concordam: é necessário certo domínio sobre
as inclinações da carne para que floresça a vida espiritual.
Quanto a Francisco, podemos desejar que suas penitências
autoinfligidas não tivessem sido tão imprudentes. Isso talvez porque preferimos
que os santos ou sejam perfeitos em
todos os aspectos, ou sejam tão comuns que se conformem a nossa própria
estatura e não desafiem nossa indolência espiritual. Mas os santos na verdade são
heroicamente apaixonados, e assim como os amantes, às vezes se tornam excêntricos,
ou mesmo ultrapassam seus limites; afinal, a santidade não exclui a humanidade.
Acima de tudo, entretanto, os santos mantêm os olhos fixos em Deus. Permanecem
fiéis, e é por isso que são santos, não por serem invariavelmente modelos de
conduta polida ou mesmo imitável.
Não é preciso dizer que chorei em muitas passagens, tomado
de carinho e respeito por esse exemplo de ser espiritualizado ao grau máximo.
Por fim, no momento derradeiro da passagem por esse planeta dessa personagem gloriosa da história humana, Donald Spoto, após descrever os últimos instantes de São
Francisco, nos diz à guisa de fecho da história:
A radiosa luz azulada da tarde brilhou por sobre o vale e
cobriu as colinas acima de Assis. Ao descrever seus últimos momentos, os amigos
de Francisco nunca esqueceram um último detalhe: "Muitos pássaros, chamados
cotovias, esvoaçaram por sobre o teto da cabana onde ele jazia, fazendo círculos
e cantando".
Por essas poucas passagens, e que fiz questão de trazer para
cá, penso que já é possível perceber que temos aqui um livro magnífico e à altura do
biografado! Leitura edificante no grau absoluto pois nos fala de alguém querido, amado e... santo.
Em todos os dias úteis, quem trabalha vai trabalhar e quando trabalha em um espaço comum, ou seja, no qual se encontram também outras
pessoas, essas são as pessoas com as quais se encontrará todos esses dias, inevitavelmente.
Assim sendo, eu sou da opinião que somos responsáveis pelo modo como chegamos no ambiente de trabalho, logo cedo, portanto, como nos
apresentamos diante de tais pessoas, tal circunstância já determina, ao menos inicialmente,
a relação que se estabelece com esses colegas do ambiente de trabalho em seus desdobramentos.
Muito se fala em etiqueta, em comportamento social no mundo
corporativo etc. e tal. Tudo isso pode ser válido, dentro de limites, mas o que
vale mesmo é como você se relaciona primeiramente consigo.
Acho mais produtivo, para que entendam do que estou falando,
contar o que já me aconteceu em um dia desses.
Eu estava no metrô, indo para o trabalho, quando encontrei uma grande amiga que, como eu, acredita em anjo da guarda e estávamos conversando acerca da necessidade de
entender as pessoas, de não nos aborrecermos por qualquer coisa. Enfim, um papo
de gente que deseja ser mais equilibrada etc. e tal.
Cheguei, então, no trabalho, nutrido desse tipo de
pensamento, de reflexão, quando encontrei uma colega minha preocupada com
qualquer coisa muito séria que havia acontecido: um problema que dizia respeito
às nossas atividades em comum e responsabilidades. Dizia-se aflita e que tínhamos cometido um erro! Algo que, enfim, poderia ser causa de transtornos sem fim, ou seja, um verdadeiro terror!
Babou (Isabelle Huppert), personagem de Copacabana,
nossa inspiração para essa postagem!
Sua atitude é totalmente Namastê
Ao saber dos liames da situação, calmamente, procurei contorná-la, buscando fazer com que todos compreendessem simplesmente o que acontecera, quando buscamos, então assumir o erro, lamentar o episódio, compreender a causa do equívoco, reiterar o desejo pela melhora nos procedimentos pelos quais somos responsáveis. Tudo
simples assim, porque assim é que tinha que ser.
Definitivamente, diante de um aborrecimento eu tenho duas opções
apenas: de fato me aborrecer, ou então, fazer a escolha de não me aborrecer.
Muito bela uma xilogravura! Eu queria muito saber fazer algo assim. Ainda hei de aprender! Por enquanto, o que posso fazer é admirar o trabalho de artistas que se dedicam a essa técnica. Aqui na web sempre procuro algum e fico muito feliz quando encontro.
Dessa vez, encontrei o site de Sherrie York. Uma artista americana, do estado do Colorado. Em seu site, ela nos conta que a maioria das imagens que produz refletem sua curiosidade pelo mundo natural a que ela se entrega no momento, ou seja, pelos animais selvagens e terras selvagens e também por lugares às vezes nem tão selvagens. Sim, York pede que não hesitemos em contactá-la se tivermos dúvidas sobre qualquer dos seus trabalhos ou se estivermos interessados em comprar uma peça.
Ela também faz propaganda do endereço para adquiri-las pela loja do Etsy, Rio Salida Art.
Nossa! Deve ser maravilhoso ter uma peça original dessas na parede de nossa casa!
Curioso isto! Eu sempre fui fã de Rimbaud, mesmo antes de ler sequer um único poema do baldo francês. É como se eu já tivesse nascido fã da figura. Bastava eu ver esse seu retratinho mais famoso para sentir carinho por ele. Ou tão somente saber que ele foi companheiro de Verlaine por um tempo, um caso de amor que, embora conturbado, é um clássico! Dois homens apaixonados em pleno século XIX e que entraram para história, dois grandes poetas!
E, também, saber que os mais alternativos artistas do underground de todos os tempos (por exemplo, Kerouac, Patti Smith, Morrison e tantos outros) sentiram-se influenciados por sua obra ou, ao menos, por seu temperamento, enfim, isso tudo era suficiente para nos atrair ao campo de influência da figura de Rimbaud!
No entanto, fiquei assim, quase toda minha vida, cultuando uma figura que me era absolutamente desconhecida, sinceramente falando... Li qualquer coisa da sua obra, claro, mas todos sabemos: ela nem é tão extensa. Afinal, ele parou de escrever aos 20 anos! E morreu aos 37!
Pois bem, agora estou sabendo bem mais sobre o cultuado poeta. Li esta biografia brilhantemente escrita por Jean-Baptiste Baroniam (aliás, também autor de uma biografia de Baudelaire e que igualmente foi lançada nesta coleção: Biografias L&PM Pochet). Quem assina a tradução dessa, a de Rimbaud, é Joana Canêdo, que combina uma escrita fluida ao mesmo tempo que respeitando o ritmo que seu autor impôs ao nos contar essa fascinante história de vida.
Tenho que dizer que, inicialmente, ao saber das minúcias, como aparecem no livro, não curti nem Rimbaud, nem Verlaine: achei os dois uns aloprados, pessoas insuportáveis! kkkkk
Mas a verdade é que eu também estava tendo dificuldades em aceitar e entender que o que eles viveram foi aquele tipo de transferência (como nos ensina a Psicanálise) que só podia mesmo resultar em cada um quebrar a cara...
Como é humano isso! No fundo, devo ter me identificado e nunca gostamos de imagens especulares, ou seja, que mostram o que também já vivemos mutatis mudandis, sobretudo porque desejamos continuar persistentes na mudança que ora experimentamos! ;-)
Isso tudo diz respeito à primeira parte da vida ali contada, quando os dois ainda se relacionavam, até o momento em que Verlaine vai preso por ter dado um tiro em Rimbaud. Oh!
Um tempo depois, a vida de Rimbaud transforma-se completamente, ele vira um viajante contumaz e até chega a ser “traficante” e/ou "comerciante" de armas na Abissínia: uma coisa completamente surpreendente. Notamos assim que a vida de Rimbaud foi como um filme de aventuras ou de ação tormentosa em que há ainda uns laivos épicos, a la Lawrence da Arábia...rsrsrs
Tudo muito emocionante e comovente, de qualquer modo.
Hoje, eu estava terminando o livro, e, claro, toda biografia termina com a morte do biografado: foi quando não resisti e caí em prantos, mesmo estando no interior de um vagão de trem, pois estava a caminho do trabalho. Nossa! Como é sofrida a passagem de Rimbaud desse nosso plano para outro!
Vejam que comovente, quando sua irmã está na cabeceira de seu leito. É quando o autor da biografia nos conta:
Assim como a sra. Rimbaud [a mãe do poeta], Isabelle [sua irmã] é católica fervorosa e ficaria muito aflita se Arthur expirasse sem ter podido se confessar ao capelão do hospital e sem receber a comunhão. Porém, cada vez que toca no assunto, Rimbaud recusa. Ele afirma ser ateu, ateu convicto, e repete que não crê nem em Deus, nem nos santos, nem na Igreja. E, para dar mais ênfase à sua recusa, profere xingamentos e blasfêmias. Contudo, no fim do mês de outubro, acaba aceitando que um padre venha conversar com ele. Faz isso não apenas para contentar e acalmar Isabelle, a quem ama de todo o coração, mas também porque alimenta a esperança – e depois de tudo o que tem sofrido desde que deixou a Abissínia, depois de ter tido a perna amputada – de que Deus, ou Alá, ou alguma força superior, possa curá-lo.
Não há problema algum que, aqui e ali ou de quando em quando, você não saiba ao certo o que está acontecendo com a sua vida ou com você!
A incerteza periódica permite que possamos dar atenção a um certo nada provisório o que por si só é um aprendizado.
Eu acredito que quem deseja momentos intensos com constância no fundo tem medo da quietude e mansidão. Além disso, não é amigo da sua própria companhia, afinal, aquela que deveria ser sua melhor conselheira.
Por exemplo, as revoltas em geral, mesmo que necessárias nos momentos intensos de perturbação, nos deixam a já tão conhecida lição do desgaste, e que necessariamente ocorrerá no caso de qualquer excesso.
É quando o ser alquebrado se mostra convalescente de si mesmo, ao evitar a pecha de orgulhoso ferido e estando apenas contrito. É também quando desejamos pleitear a esperança que, em tais casos, apresenta-se revestida daquela coragem altaneira, comum apenas em situação de dor.
Ontem, alguém me disse que não sabia o que fazer com uma gente barra pesada com a qual precisa conviver no ambiente de trabalho.
Eu sugeri que não fizesse nada, a princípio, apenas não vibrasse na mesma vib, por favor!
Sim, que procurasse não ter ódio desses inimigos confessos.
A inimizade é apenas essa decisão equivocada do outro, não é preciso que se compartilhe inimizade com ninguém. Bem, se ainda não conseguimos amar nossos inimigos como apregoa o verdadeiro testemunho cristão, não precisamos odiá-los.
Eu, por exemplo, aprendi muito quando compreendi que amar o inimigo não era ter ternura para com ele, como eu tenho, evidentemente, para com os amigos queridos. Afinal, como eu poderia ter ternura por esse alguém me quer tão mal e cuja vibração me incomoda, de qualquer modo?
Eu estou convencido de que, no entanto, posso e devo estar atento as suas manobras e, sobretudo, compreendendo tudo absolutamente! O que inclui nutrir uma certa solidariedade com essa pessoa que me odeia, aquela que nasce do fato de que eu mesmo já fui inimigo de tantos antes da decisão acertada de não ser inimigo de ninguém!