sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Entre penas e pedras

Todos nós temos muita dificuldade em nos tornarmos mais civilizados, não é mesmo? Eu acho que quando Freud elabora seu pensamento em direção a entender a civilização como o que nos propicia um mal-estar ele está mesmo coberto de razão. No entanto, é chocante perceber essa dificuldade também porque, bem ou mal, há constructos da civilização que já estão consolidados até como conquistas propriamente e ponto final!

Nesta semana, por exemplo, um dos assuntos que o Brasil inteiro se deteve a acompanhar foi o julgamento de um jovem que assassinara sua namorada ainda adolescente. Esse foi o assunto preferido da chamada opinião pública: falou-se dele em todos os lugares, desde o ponto de ônibus até... o facebook. Ontem, enfim, depois de umas atitudes, parece que equivocadas, da advogada de defesa, o tal rapaz foi condenado a mais de 90 anos de prisão... ok. Tudo bem, não estou aqui contestando o veredicto, peloamordeDeus!

Na verdade, eu sequer acompanhei a história toda, tudo o que sei se resume ao que acabei de comentar acima, e apenas estou me reportando a esse fato porque diversas pessoas a minha volta formularam uma cena discursiva mais ou menos como esta: “Ah, no Brasil, essa pena nunca será cumprida, porque bom comportamento e outras ‘desculpas’ vão reduzindo a pena até ele estar livre novamente para cometer outro crime parecido.”

Pois bem, quando ouço esse tipo de manifestação, afinal uma espécie de lugar comum, sempre penso, dentre outras coisas:

  • Tal pessoa não considera o avanço do Direito algo válido, sobretudo, porque ele alcança desassistidos de um modo geral, como é o caso desse infeliz assassino.
  • Essa mesma pessoa pensa que o Brasil é mais atrasado do que supostos países de “primeiro mundo” (aliás, vamos combinar que essa classificação já está defasada em mais de um sentido...) porque em alguns desses países ainda é aceita a barbárie da pena de morte.

Penso essas coisas, mas não as exponho a tais pessoas, pois não é o caso de fazê-lo. Em geral, elas têm uma opinião tão acirrada a respeito desses assuntos que fica impossível dialogar. Quando, no passado, eu me dava ao trabalho de tentar um diálogo a esse respeito ouvia a opinião peremptória de alguém favorável à pena de morte e que ainda insistia que eu também o seria se o mesmo [um assassinato] acontecesse com um (a) filho (a) meu (minha). Evidentemente, também não passa pela cabeça de algumas pessoas que outras não possam ter filhos, por diversos motivos. rsrsrs

Como aqui é um blog pessoal e nele eu posso dizer o que penso a esse respeito, vou dizê-lo com todas as letras: se uma desgraça do tipo acontecesse com um filho meu (se eu por um acaso pudesse ou quisesse ter um filho), evidentemente, a única diferença em relação ao que acontece aos outros é que isso teria acontecido com um filho meu e não com o de outra pessoa!

Eu sofreria evidentemente, lamentaria dentro de limites, e procuraria consolo, na graça divina, para entender o ocorrido dentro do suposto mistério que nos cerca e que permite que estejamos sujeitos a todo tipo de tragédia nessa vida. No entanto, mais do que tudo isso, eu continuaria, com toda certeza, acreditando no que diz uma amiga minha: se a lei do “olho por olho, dente por dente” fosse ainda a única existente nesse mundo, teríamos apenas caolhos e banguelas a nossa volta. Vamos combinar que seria um mundo bem triste e feio de se ver...

Ainda bem que não é apenas isso o que vemos no mundo, nele há, por exemplo, pessoas como Adrian Gray que nos apresenta a sua incrível arte: a Stone Balancing Art. Isso, sim, nos dá o que pensar e também nos sugere uma atitude bem diferente nessa vida, ao invés de agirmos como pessoas de coração de pedra podemos procurar entender o equilíbrio que essas pedras apresentam.

Por sinal, isso me lembrou de uma outra coisa, um poema de Carlos Drummond e que uma amiga do facebook postou ainda ontem. Compartilhei por lá, mas vou trazê-lo também para fechar essa postagem com poesia e sua reflexão em 2º grau, afinal, o que mais precisamos na vida:

Unidade

As plantas sofrem como nós sofremos.
Por que não sofreriam
se esta é a chave da unidade do mundo?

A flor sofre, tocada
por mão inconsciente.
Há uma queixa abafada
em sua docilidade.

A pedra é sofrimento
paralítico, eterno.

Não temos nós, animais,
sequer o privilégio de sofrer.

Carlos Drummond de Andrade - In Farewell





9 comentários:

  1. Me lembrei da linda "Jade" de João Bosco.
    O início da canção é assim...


    Há entre as pedras e as almas
    Afinidades tão raras
    Como vou dizer?

    Elas têm cheiro de gente
    Queira ou não queira se sente
    Tem este poder

    Pedra e homem comovem
    Sobem e descem e somem
    Ninguém sabe bem

    O homem desce dos céus
    A pedra nasce é de Deus
    Que tudo contém


    ... e continua...Linda!

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    1. Isso é um poema traduzido por ele de um escritor russo. Mas, sim, muito bonito! E a canção é, na verdade, aquela que antecede Jade, no Acústico MTV, chamada Granito. Bela referência!

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  2. Nossa, linda mesmo! vou procurar ouvir, curto joão bosco. Lu, essa postagem começou de um jeito mas foi nos levando para uma série de reminiscências, não é mesmo? rsrsrs <3

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    1. Coisas da pedra, da terra - que inspira os devaneios do repouso e também os devaneios da vontade (Cf. Gaston Bachelard)...

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    1. Josafá: Quanto mistério e quanta beleza não estão nas graciosas pedras.Sejam elas preciosas ou rudes, sempre nos deixam maravilhados !!!.

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    2. Sim. Mistério, beleza, graciosidade, preciosidade, rudeza: maravilha da pedra. ;-)

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