sexta-feira, 24 de maio de 2013

Hoje e sempre


Hoje, utilizei o metrô a partir da linha amarela, pois eu vinha do Butantã para o centro da cidade. Lamentei não ter um livro para ler e me lembrei que eu tinha um, mas em pdf , no celular. Trata-se de um livro psicografado por Divaldo Pereira Franco e que fala da Transição Planetária. No trecho que eu lia, um espírito que ainda iria nascer no nosso planeta, vindo de outro mais adiantado, contava aos seus interlocutores a respeito de lá e também queria saber do que acontecia por aqui:

Por sua vez, interrogou-nos a respeito das paisagens de sombra e angústia que notara na Terra, das densas ondas de infelicidade e de revolta que lhe produzia choques vibratórios, assim como do horror da violência, das buscas desenfreadas pelas paixões dissolventes e destrutivas, que caracterizam, por enquanto, o nosso mundo de provas e de expiações.Sem nenhuma expressão de censura, analisou o primarismo ainda existente em nosso planeta, onde os horrores da guerra ceifam milhões de vida com periodicidade, assim como a ocorrência das contínuas vagas de terrorismo de toda espécie, dos fenômenos sísmicos que abalam a estrutura geológica da Terra, dos sofrimentos superlativos... Havia uma dorida expressão na sua face ao analisar o novo mundo onde iria trabalhar, em tentativa de auxiliá-lo a melhorar-se, tornando-se mais tristonha ao referir-se à criminalidade, aos terríveis abortos provocados, às aplicações da eutanásia, ao volume de suicídios e ainda à pena de morte legalizada...

Quando eu estava lendo o trecho acima, notei a pessoa que estava sentada ao meu lado no metrô. Era uma jovem negra, gestante e que estava com os olhos fechados e dos quais desciam grossas lágrimas. Aquela cena foi de cortar o coração: uma mulher negra, grávida e chorando. Senti que eu não devia lhe falar, oralmente, em respeito a sua dor (da qual eu sequer podia imaginar a origem...) 

Mas, imediatamente comecei a pedir em prece por ela e também a lhe emitir mensagens por pensamento, enquanto, por minha vez, também chorava: eu me sentia profundamente solidário àquela dor.
Agora, éramos dois chorando. 

No vagão, ninguém mais percebeu a cena a não ser outra moça, também negra, sentada em um banco no lado oposto ao nosso. Eu pensava fortemente: Tenha coragem, meu amor. Na aflição, o que precisamos é de fé e coragem. Repetia fortemente esse pensamento, como ladainha, e voltado a sua direção. Tenho certeza que de algum modo a ajudei, pois ela parecia se acalmar ao longo da minha prece e, de certo modo, isso se confirmou, pois ao levantar-nos os três para descermos do trem, a outra moça sorria para mim como a dizer: fizemos nossa parte.

Espero que possamos fazer isso sempre. Daí, para o melhor. Assim, este planeta tão sofrido vai se regenerando pela solidariedade cada vez mais possível.
Sim, ainda que nessa cumplicidade silenciosa.
O que almejamos?
O respeito à dor alheia revelando-se na solidariedade de todas as horas.
Que Deus nos ajude. Amém.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Quando a dignidade suplanta a infâmia


No último sábado, participei de uma sessão de cineclube com amigos.  Somos quatro cinéfilos que decidimos fazer uma programação para todo o ano, extensa e de alto nível, e que desejamos possa preencher os vazios que ainda existem na nossa cultura cinematográfica.

Um desses vazios era o de ainda não termos visto (ao menos três de nós) o filme Infâmia (The Children’s Hour) de William Wyler. Lançado em 1961, ele tem seu roteiro baseado em peça teatral de Lillian Hellman. Aliás, foi a própria dramaturga quem escreveu tal roteiro. Hellman é uma intelectual norte-americana de grande importância na história e cultura de seu país, inclusive porque, juntamente com o marido Dashiell Hammett e outros intelectuais, chegou a combater o nazismo. Além disso, foi perseguida pelo Macarthismo. Ou seja, ela só pode ser considerada gente muito boa!

The Children's Hour foi seu primeiro trabalho para o teatro, tendo sua estreia na Broadway, em 1934. A peça conta a história de duas professoras de uma escola para meninas que são acusadas de viverem uma relação homossexual e, mesmo que isso nunca seja efetivamente provado por aqueles que veem nisso um crime, a partir de então, ambas têm suas vidas dilaceradas. A obra fez um imenso sucesso na Broadway, mas foi proibida fora de Nova York, em outras cidades importantes como Boston, Chicago e Londres.


Sabemos que mesmo tendo ido para as telas nessa versão, 25 anos depois, o texto e a organização estrutural da peça resultaram em um filme ainda ousadíssimo para os anos 60, sobretudo, por tratar dessa temática nada convencional em Hollywood. Por exemplo, já houvera uma primeira versão cinematográfica da obra, rodada em 1936, na qual trouxeram à cena um triângulo heterossexual, no lugar de tratar da temática do lesbianismo com a mesma naturalidade que se observa na peça  e que declaradamente é a que está em jogo na história original. Outra riqueza do filme: ele é estrelado por duas grandes atrizes nos papéis das protagonistas, ou seja, Audrey Hepburn , como a professora Karen Wright e Shirley MacLaine como sua parceira Martha Dobie.

Quando conhecemos a escola onde trabalham as duas jovens e a tia de Dobie, Lily Mortar (Miriam Hopkins), uma espécie de atriz decadente, notamos que se trata de uma escola para meninas ricas da Nova Inglaterra. Nas cenas iniciais, cresce em vulto uma aluna em especial, Mary Tilford (Karen Balkin), garota que antes de ir para a escola vivia com a avó, Amelia Tilford (Fay Bainter), uma espécie de matriarca importante na cidade. Sua neta é mimada, birrenta, tornando-se profundamente desagradável em sua conduta e em seus excessos. Ela faz isso tudo tão somente para conseguir o que mais deseja: abandonar a escola.

A professora Karen (Hepburn) é noiva de um médico, Dr. Joe Cardin (James Garner), sobrinho da avó da garotinha. Desde o início, é verdade, a amiga demonstra  ter muito ciúmes do charmoso casal.  E, então, somos surpreendidos com uma trama em que aos poucos lamentamos profundamente a sordidez da criança, a complacência criminosa da avó, o sofrimento profundo das moças e consequentemente também o do rapaz, atacados e vilipendiados como todos eles são. Mas, como em toda obra de dramaturgia boa demais, é no final, apenas no final, que as coisas começam a se esclarecer, quando o deslindar da situação revela o que pode ser ainda mais aterrador.

A fotografia belíssima de Infâmia é assinada por um veterano de Hollywood, o fotógrafo Franz Planer (1894–1963), nascido na atual Karlovy Vary, na República Checa. Como muita gente europeia de sua geração, ele foi fortemente influenciado pelo expressionismo alemão, ao utilizar a técnica do chiaroscuro, pela qual proporciona uma iluminação em que é gritante o contraste entre luz e sombra para atingir os requisitos solicitados pela temática em questão. Ele assim o fez especialmente para os filmes noir em que trabalhou como, por exemplo, Baixeza (1949) e Sindicato do Crime (1950). Sua rica carreira sedimentou a força do domínio de sua técnica, o que faz todo o diferencial nesse trabalho. Por ele, se consolida com maestria a elaboração pela imagem de toda uma atmosfera opressiva que vai se fechando em torno das personagens, durante o desenvolvimento da história.

Por outro lado, desconfio que, sobretudo para quem já viveu na própria pele o que é ser insultado por ser homossexual (mas também poderia ser o insultado por pertencer a qualquer outra “minoria”), é demasiado comovente ver a subjetividade das personagens sendo assumida pouco a pouco, mas com consequências dolorosas para cada qual e, após o trágico desfecho a que assistimos na tela, observar a personagem de Audrey Hepburn, por fim, sair altiva diante dos difamadores, mas tão somente porque só lhe restara aquela dignidade que se propaga nobre e serenamente, característica daqueles que a alcançam depois de escalarem o abismo do sofrimento mais autêntico.


terça-feira, 7 de maio de 2013

Mais uma prova de que o futuro é belo e bom: Yo-Yo Ma e Kathryn Stott


Yo-Yo Ma
Há alguma coisa na performance de Yo-Yo Ma que nos comove profundamente.
A começar pelo fato de ele tocar violoncelo. Ontem, na sua apresentação na Sala São Paulo, não sei se ele tocava o Montagnana, de 1733, ou o Stradivarius Davidoff, de 1712. De qualquer modo, ele pôde extrair daquele instrumento que tocava uma suavidade, uma delicadeza e precisão sem iguais.

Foi incrível observar seu corpo como extensão do instrumento, bem como sua concentração, frutos da técnica e da experiência do musicista.

Com artistas desse quilate quase não temos contato no nosso cotidiano, não é mesmo?  A mim, por exemplo, teria sido impossível ouvir um concerto como esse, se não fora eu ganhar o ingresso. E, assim, por tudo isto, eu me sentia grato: por estar ali, ouvindo o raro violoncelo de Yo-Yo Ma, bem como o piano perfeito da inglesa Kathryn Stott, com quem ele tocava.

Quando a gente confere a performance de artistas de tanto prestígio e de carreiras tão gloriosas em toda sua longevidade, sentimos que há qualquer esperança no futuro da humanidade, sim! Essa é uma das provas que justifica  o futuro feliz que nos aguarda.

Toda a criação divina em seu esplendor se revela por tais depoimentos, eles são como sinais de que o futuro é belo e bom! Assim, clamava, ontem, o som do piano, do violoncelo, fosse por meio da Suite italienne de Igor Stravinsky, ou da Alma Brasileira de Villa-Lobos, do Oblivion de Astor Piazzolla ou da Dança Negra, de Carmargo Guarnieri.

Kathryn Stott
Tais compositores e obras foram aqueles que a dupla tocou ontem, na Série Branca das apresentações promovidas pela Sociedade de Cultura Artística.
Hoje, na Série Azul, eles tocam Manuel de Falla, Olivier Messiaen e Johannes Brahms.

Ontem, em tempo real, no intervalo do concerto, postei no facebook:  “obrigado obrigado obrigado ouvir yo-yo ma e kathryn stott tocando villa-lobos e piazzolla foi incrível! graças e louvores a Deus! aos anjos nos céus!”

Estou me sentindo assim mesmo até agora, ou seja, agradecido aos anjos todos! ;-)