Henri Bergson |
- É, às vezes, a gente dá uma de ignorante...
Imediatamente, eu pensei:
- No seu caso só se for puro fingimento mesmo! kkkk
Acredito que, muito provavelmente, ela estava apenas querendo concordar com a tal amiga, que, por sua vez, devia estar contando que, enfim, fora grosseira em alguma ocasião.
A verdade é que minha mãe é completamente o oposto do que seria uma pessoa "ignorante", ou seja, no sentido de ser alguém que teria atitudes grosseiras ou que se comportaria de maneira mal educada, com impolidez.
Por falar em seu oposto, tal incidente - eu ouvir a tal conversa - fez com que eu me lembrasse que emprestara um livro de uma amiga e que trata dessa virtude que é a polidez [há quem pense que não é bem uma virtude, mas...]. Lembrei-me também que já passou da hora de eu devolver o livro. Então, eu o retirei da estante para deixá-lo mais próximo de mim e, assim, não me esquecer de devolvê-lo à dona.
Ao fazê-lo, no entanto, não pude resistir a abrir o tal livro que é uma coletânea. Por um acaso o abri em um texto de Henri Bergson chamado Da Polidez.
É tão lindo o que ele diz que vou compartilhar uns excertos com todos vocês:
O homem do mundo ideal sabe falar às pessoas sobre aquilo que as interessa; olha do ponto de vista do outro sem por isso adotá-lo sempre; entende tudo sem por isso tudo desculpar. O que nos agrada nele é a facilidade com a qual circula entre os sentimentos e as idéias; talvez também a sua arte, quando nos fala, de nos fazer pensar que não seria o mesmo com todas as pessoas; pois é peculiar a esse homem extremamente polido preferir cada um de seus amigos aos outros, e conseguir mesmo assim amar a todos igualmente. Logo, um juiz demasiado severo poderia colocar em dúvida sua sinceridade e sua franqueza. Não se deixem enganar contudo; sempre haverá entre essa polidez refinada e a hipocrisia obsequiosa a mesma distância que há entre o desejo de servir as pessoas e a arte de se servir delas.
(...)
Parece, portanto, que a polidez sob todas as suas formas, polidez do espírito, polidez das maneiras e polidez do coração, nos introduz numa república ideal, verdadeira cidade dos espíritos, onde a liberdade seria a libertação das inteligências, a igualdade uma divisão equitativa da consideração e a fraternidade uma delicada simpatia pelos sofrimentos da sensibilidade. Seria o prolongamento da justiça e da caridade além do mundo tangível; acrescentaria à vida de todos os dias, em que relações úteis se estabelecem entre os homens, o charme sutil de uma obra de arte. A polidez assim concebida reclama o concurso do espírito e do coração; ou seja, ela é pouco ensinada; mas se alguma coisa a predispusesse ao ensino, seriam os estudos desinteressados, e principalmente os que vocês fazem aqui, jovens estudantes, os estudos clássicos.
(...)
TIZIANO Vecellio Man with a Glove (1520-22) |
[BERGSON, Henri, Da Polidez In: A polidez: virtude das aparências, organização de Régine Dhoquois, tradução de Moacyr Gomes Jr. Porto Alegre: L&PM, 1993.]