Para ter o livro |
Assim sendo, para além do expediente no jornal, quando chego em casa, após comer algo, e dar um beijo em minha mãe, volto a sentar-me diante do computador, o que, aliás, eu já fizera o dia inteiro.
Quando digo que não posso reclamar é porque preciso dos frutos desse trabalho e também aprecio o tipo de elaboração que envolve a revisão de textos.
De que elaboração estou falando? Aquela da qual nos fala a Professora Doutora Luciana Salazar Salgado, atualmente professora dos laboratórios de linguística no Departamento de Letras da UFSCar:
(...) é importante notar que o profissional que trabalha sobre os textos autorais não opera como coautor; antes, produz um descentramento do texto-primeiro, que permite ao autor ser um outro desse outro de si que fez anotações pontuais como quem deixa rastros a serem seguidos. Nessas trilhas de leitura explicitadas, são feitas correções gramaticais, estabelecem-se padrões e seguem-se normas, mas esse trabalho vai muito além da ideia de corrigir, padronizar e normatizar.
Diante do material coletado, a questão que muitas vezes se põe é: o que se pretende, afinal, com esse trabalho sobre os textos? Provavelmente garantir que as versões que vão a público sejam consistentes, pois, mesmo que um texto destinado a publicação, como todo texto, por definição, não se feche nunca, sendo renovado a cada leitura, parece possível trabalhar para que certas leituras estejam mais autorizadas que outras, que certos caminhos textuais pareçam mais convidativos, que certas memórias tendam a se atualizar amarrando o texto a uma dada rede de dizeres, identificando-o.
(...)
Justamente hoje abri ao acaso esse livro da linguísta e analista do discurso, Ritos Genéticos Editoriais – Autoria e Textualização, e deparei-me com a passagem acima. Provavelmente, foi devido à experiência da noite passada que pude mais detidamente pensar no quanto essa autora está certa em afirmar que esses escribas (aos quais ela chama de enunciador e o seu coenunciador editorial) trabalham ambos com um ofício que nos confronta fortemente com a condição humana do viver.
Essa noite, por exemplo, avancei trabalhando madrugada adentro e isso devido, evidentemente, ao prazo apertado para a entrega do material. É preciso que também se diga: as pessoas só procuram o profissional de revisão na véspera da “linha morta”, que é como uma outra amiga minha se refere ao que os americanos chamam de dead line, ou seja, o fim do prazo.
De minha parte, busquei esboçar nessa postagem essa minha cenografia discursiva apenas para poder dizer, por fim, que trabalhei nessa ocasião com tanto prazer que, mesmo depois de dormir poucas horas, acordei ainda tão bem disposto que acho que isso só pode ser amor. Amor pelas pessoas, pelo que fazemos por elas e pelo que elas fazem por nós, pelo sentimento legítimo do dever cumprido, e, sim, sobretudo, pelo que há de espiritual em tudo isso: amor pelo amor de Deus!